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BARREIRA DE SOMBRA

Desde 13.06.1987 ao serviço da Festa Brava

O PAPEL DA CRÍTICA ENQUANTO CONTRIBUTO POSITIVO PARA A FESTA

Ortega y Gasset dizia: «a crítica é um sacramento de administração muito difícil».

27.08.23 | António Lúcio / Barreira de Sombra

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Recupero neste espaço um texto que elaborei há 18 anos atrás para o Colóquio organizado pela Associação Grupo de Forcados Amadores de Caldas da Rainha “O Futuro da Festa – A Verdade do Toiro” – Caldas da Rainha, 5 de Fevereiro de 2005, e intitulado “O papel da crítica enquanto contributo positivo para a festa” e que volvido todo este tempo continua bem actual, com as naturais ressalvas em algumas referências.

Criticar não é o acto de dizer mal; bem pelo contrário: criticar é um exercício mental e de escrita que põe em evidência o que de bem foi realizado e, por contraposição, se aponta o que de mal foi executado, aduzindo-lhe os critérios de análise técnico-artísticos, e sabendo colocar o acento tónico na valorização do bem feito. Nunca deverá o crítico tornar-se desagradável nas posições assumidas mas tentar mostrar o que na realidade se passou na praça, frente ao toiro.

Muitos críticos esquecem, e os ditos aficionados também, que só o facto de um artista, a cavalo ou a pé, matador ou forcado, bandarilheiro ou cavaleiro, se colocar frente ao toiro, já é um facto digno de crédito. Depois, se souber fazer as coisas bem feitas no seu mester, se juntar a técnica à arte, então tudo será mais belo e mais difícil também de descrever. Por isso os aficionados falam, muitos anos depois, daquela faena ou lide deste artista, da pega deste ou daquele forcado, deste ou daquele toiro famoso de uma ganadaria. Por isso se correm muitos milhares de quilómetros atrás de um toureiro.

A este propósito o Dr. Joaquim Grave, no seu livro “Bravo!”, escreveu o seguinte:

“Com efeito, a prática responsável da crítica exige certos requisitos, sem os quais essa crítica perde rigor e credibilidade. Em primeiro lugar há que ter um conhecimento histórico do tema em questão. (…)

Depois, deve possuir um conhecimento técnico, isto é, deve saber como se executa a obra sobre a qual vai emitir opinião. Esta premissa no toureio é de grande importância. Ajuda imenso ter-se visto a Festa «lá de baixo», onde a condição humana dos toureiros é mais real. Deve igualmente possuir um conhecimento teórico, ou seja, ter uma ideia do que representa a actividade ou a obra criticada, em si mesma, ou em relação com a vida humana.

Um dos maiores encantos das corridas de toiros é que, sendo o toureio uma ocupação silenciosa dá contudo muito que falar… (…)

Quem sabe mais de toiros e de toureio, o que estuda e revolve crónicas e dados de um passado toureiramente morto ou o que viu mais tourear? Eu diria que o que mais viu tourear, mas sabendo ver. Quero dizer, sabendo tomar-lhe o gosto, o sabor ao que vê, ao que observa. Porque ver, só por ver, pouco adianta. Aquele que observa e critica, deve, do mesmo modo que o toureiro, ver claro. Este, se não vê claro o que tem pela frente não pode tourear, ou toureia mal, que é como se não toureasse. (…)

No meio disto tudo, só há um que tem o direito de não ver claro, é o toiro. (…)

No toureio tudo é verdade e tudo é mentir. Não quero com isto dizer que não se deva ser exigente. A exigência nasce do conhecimento e é salutar, mas a intransigência é filha do desconhecimento. A intolerância acaba sempre por ser contraditória. (…)“

Ser crítico taurino ou cronista taurino em Portugal não é muito diferente de o ser em qualquer outro País onde se realizem espectáculos taurinos. A diferença advém da importância concedida ao próprio espectáculo na sua aceitação nacional e na segmentação efectuada nos respectivos órgãos de comunicação social. Ou seja, os métodos serão idênticos porque reflectem tratamento e análise, ou apenas um breve sumário, em termos jornalísticos. Portugal, país sui generis na sua tauromaquia, também o é em termos de tratamento do crítico, analista, cronista, jornalista taurino.

Em Portugal não existe uma escola de jornalismo taurino. Cada um aprendeu à sua custa, movido pela sua afición e com ajuda da sua formação académica. Alguns dos críticos taurinos, nos quais me incluo, também passaram pelas arenas, aprendendo a conhecer e a sentir de outra forma os terrenos em que se movimentam. Se nos anos 50, 60 existiam brilhantes cronistas taurinos, Manuel Azambuja, Leopoldo Saraiva, Paco Camilo, Samuel Reis e tantos outros são grandes referências assim como os jornais de então, ao lado da então Emissora Nacional e da Radiotelevisão Portuguesa, se existiam muitos meios de comunicação com páginas dedicadas à tauromaquia, garantidamente foi nos anos 70 e 80 que se forjou a maioria dos actuais críticos taurinos. Recordo-me que, bem miúdo, ficava sempre atento ás transmissões directas do exterior – as nocturnas do Campo Pequeno – e ao Sol e Toiros na rádio. Nesses anos outros nomes aparecem no pequeno ecran e os programas voltam, de novo, a cativar-nos. Francisco Morgado, Maurício Vale, Eduardo Leonardo, Virgílio Palma Fialho, são nomes que nos influenciaram.

Em Portugal, país pequeno em tudo ou quase tudo, onde é quase delito ter opinião, especialmente se formos contra o status quo de alguns artistas e empresários que se acham intocáveis – ficamos à porta e temos de pagar bilhete se quisermos ver o espectáculo! – o crítico taurino não tem o seu papel facilitado. Os órgãos de comunicação social tratam o tema taurino como um parente pobre, dedicando-lhe o menos espaço possível porque não é politicamente correcto dar muito destaque pela positiva aos toiros. Os empresários têm, a pouco e pouco, vindo a reconhecer mérito aos críticos taurinos regionais e locais pelo seu trabalho desenvolvido em prol da Festa Brava. Penso que será de elogiar esta mudança de atitude mas a verdade é que ela não foi assim enquanto houve programas de índole nacional na Rádio e TV. Alguns toureiros e ganadeiros apostam, finalmente, em dar-se a conhecer, a promover a sua imagem nos mais diversos meios de comunicação, o que apraz registar. O nosso trabalho é um trabalho de grande persistência e de enorme aficion, que não restem dúvidas.

António Lúcio, Fevereiro de 2005