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BARREIRA DE SOMBRA

Desde 13.06.1987 ao serviço da Festa Brava

BARREIRA DE SOMBRA

Desde 13.06.1987 ao serviço da Festa Brava

LITERATURA TAURINA - TAUROMAQUIA PORTUGUESA - CAVALEIROS E FORCADOS

23.04.20 | António Lúcio / Barreira de Sombra

 A portuguesa tradição do toureio a cavalo se referem já crónicas de Strabao, citando os antigos lusitanos como amigos dos jogos hípicos, com touros, e outras que dão notícia de D. Sancho 11 alanceando touros ao estilo da época, e as de Fernão Lopes em relação a D. Fer­nando, e as de Garcia de Rezende que descrevem el-rei D. João II no gosto pelas touradas e fazendo frente e matando à espada um touro que em Alcochete lhe saiu ao caminho quando ia com a rainha. Outras crónicas descrevem façanhas do rei D. Sebastião como toureiro a cavalo, e dizem que o neto de Carlos V rojoneou em Cadiz, de abalada para o sonho de Alcácer. E muitos monarcas foram toureiros a cavalo, até D. Miguel que farpeou em Salvaterra, e na praça de Xabregas desta cidade de Lisboa, que teve redondéis no Rossio, no Terreiro do Paço, na Junqueira, no Largo da Anunciada, no local onde está o jardim da Estrela, no Salitre, no Campo de Santana e agora no Campo Pequeno. D. Carlos criou touros e D. Luís e D. Miguel entraram em tourinhas. E quantos fidalgos lanceando e rojo-neando nas festas dos nascimentos de príncipes e das suas bodas e nos torneios peninsulares com os continuadores del Cid e de Villame-diana, nas Praças Maiores de Espanha, em no­bre competência, por sua dama, em alardes de valentia e de pompa pela gente de cada bando, a cavalo e a pé, com as armas e as cores de cada qual!

 

Em Portugal manteve-se e aperfei­çoou-se a Arte de Marialva, tomando o nome do grande senhor e cavaleiro a quem mestre Andrade dedicou o seu famoso tratado de equitação. Desde aqueles tempos, e até aos nossos dias, tëem sido sucessivas as gerações de cavaleiros tauromáquicos. Estes e os forcados são os representantes do toureio português, uma vez que os bandarilheiros, e os antigos «capi­nhas», quási se limitam a imitar, até na indu­mentária, os seus iguais de Espanha.

 

Os cavaleiros tauromáquicos tëem indu­mentária própria: a casaca bordada e o tricórnio de plumas, e botas altas à Relvas — outro bom cavaleiro, do século xix, em que brilharam também Mourisca, Tinoco, Castelo Melhor e outros.

 

E os forcados, que, como os campinos, são do Ribatejo, terra dos touros, também ves­tem de forma característica, e também tëem sua arte, porque não é apenas função de força o pegar um touro de cara, de costas ou de cerne­lha. Há que saber cair na cabeça da fera, evi­tando a violência do choque quando, para colher, humilha, e depois agüentar-se, «embar-belando» bem, ou, na melhor ajuda, torcendo bem a «pombinha», vértebra da cauda. E para se julgar da arte que pode caber em sorte tão rude, basta ver os últimos grupos de forcados--amadores, como os de Santarém e de Monte-mor, tão elegantes e pundonorosos, e até alguns profissionais que sabem dar terreno, com ritmo, com graça, como Edmundo e Garrett e os seus valentes conterrâneos do Ribatejo.

 

E tem ritual a sua aparição com a azémola das farpas, estas em duas arcas cobertas com pano rico, de veludo, que eles desdobram cuidadosa­mente ante a presidência, que manda recolher as caixas com os ferros para o uso da lide. De­pois retiram-se os forcados para saltarem à arena quando o «inteligente» entende que o touro mete bem a cabeça e as hastes permitem a sorte. Os cavaleiros surgem, então, para as cortezias, outrora feitas ao som do hino real, caminhando passo a passo até sob o camarote da presidência, que saúdam em vénia de cabeça descoberta, depois recuando cerimoniosamente, voltando a avançar para se separarem nos cumprimentos às quatro partes da assistência, la­deando e cruzando-se no meio do redondel, e sempre no cuidado dos cavalos bem ensinados, e na praxe dos movimentos.

 

Assenta o toureio equestre em três princípios básicos: cravar de alto a baixo, ao estribo, e sem deixar tocar a montada. E, de uma maneira geral, além do mérito de equitador, necessita o cavaleiro de ser toureiro, isto é, de conhecer os touros e saber medir os terrenos. Carece o cavaleiro de firmeza de joelhos para as reac-coes do cavalo, que o deve temer mais a ele, que ao touro, boa mão esquerda para mandar rápido, e boa direita para cravar, com pulso para aguentar a resistência, e certeza para en­contrar o sítio próprio, com precisão. E o ca­valo deve estar ensinado para todo o toureio, especialmente para entrar e sair nas quatro sor­tes clássicas: de cara, à tira, à meia volta e à garupa. E quando tudo corre bem, em tarde quente de verão, e o público, entusiasmado, aplaude cavaleiros e forcados, estes agradecem juntos, abraçando-se num gesto simbólico do seu convívio nos campos de Portugal — que a ambos dá o pão, o azeite, o vinho, e a alegria de viver ao sol.

 

EL TERRIBLE PEREZ

 

Fotos de Carmelo Vives, C.Figueiredo, António Campelo e F.Sebastian

In, Panorama, Toureio Português, número especial, 1945, Lisboa