Cinco dias de espectáculos taurinos - apesar de não abordarmos o dos recortarores - na Moita do Ribatejo, vividos bem por dentro, deixaram muitos motivos para reflexão e análise. A morte do forcado Fernando Quintella veio ensombrar uma feira que ficou muito aquém do desejado em termos de público e onde houve bons momentos de toureio.
A edição 2017 da Feira Taurina da Moita fica marcada indelevelmente pela morte do Forcado Fernando Quintella, de 26 anos de idade, ao tentar a pega ao quarto toiro da corrida de sexta-feira, dia 15, e pertencente à ganadaria Prudêncio. Uma colhida violenta, contra o chão da arena moitense, e onde de nada valeram os esforços dos médicos e dos bombeiros presentes no local e ainda dos que o assistiram nos hospitais Curry Cabral e São José em Lisboa, onde faleceu na madrugada de sábado. QDEP.
Mas, e noutra vertente – a de assistências – a Feira fica também marcada por uma inexplicável ausência de público. Ou, quiçá, bem explicável. O público, apesar dos preços mais baixos em relação a Maio e da qualidade dos cartéis, não compareceu. Há um nítido contrassenso quando se exige a renovação dos cartéis e ela acontece, e depois, “os velhos é que são bons!”
Circunstâncias dos tempos em que vivemos, a generalidade do grande público que vai aos toiros neste tipo de festividades, não é mais o assalariado agrícola, o operário fabril ou o empregado do comércio local; o feriado local ou a tolerância de ponto ou a entrada mais tarde porque é dia de festa é apenas na localidade (ou nem isso) e não nas localidades ou concelhos limítrofes. Os horários mudaram. A escola começa mais cedo e o dinheiro disponível depois de férias e da compra dos livros não deixa grande margem de manobra para 4 dias de toiros em que há espectáculos de entrada livre no recinto da feira. Acresce a tudo isto a gritante falta de uma figura do toureio capaz de arrastar multidões.
O actual modelo de corridas nocturnas consecutivas e em dias de semana, de trabalho na manhã seguinte, nesta época do ano em que a meteorologia é mais inconstante, está esgotado e ultrapassado. São raras as excepções (talvez apenas e só Alcochete e Vila Franca). Quem não está de férias, quem acode de fora (localidades vizinhas ou não) aos espectáculos, escolhe com critério uma corrida e pronto. A Moita, tal como outras localidades já o fizeram, terá de repensar muito seriamente este modelo e, quiçá, passar a ter as corridas nos fins de semana das festas, e á tarde.
A presença do público, como referi, foi escassa em todos os espectáculos e, por exemplo, não foi por não haver gente na Moita. Na tarde do fogareiro, eram largos os milhares que esgotavam a capacidade da Av. Teófilo Braga, impedindo as viaturas de circular nas imediações da praça já passava das 21h, com os naturais prejuízos para a empresa e dificuldades acrescidas a quem se dirigia à praça de toiros. Outro modelo que há que criar para esta tarde do fogareiro.
DIVERSIDADE NOS CARTÉIS E BONS MOMENTOS DE TOUREIO
Os cartéis permitiriam mostrar diversidade, juntar veterania com juventude, potenciar a competição. Houve bons momentos de toureio e alguns toiros importantes. Exigidos por muitos dos que, depois, nunca vão aos toiros ou se vão é de borla. Se atentarmos nos diversos cartéis, veremos que, dos veteranos marcaram presença António Telles e Luís Rouxinol; dos que já levam alguns anos de alternativa, Rui Fernandes, Filipe Gonçalves, João Moura Jr, João Ribeiro Telles e Francisco Palha, e dos mais novos, Luís Rouxinol Jr.
No toureio a pé marcou presença e com uma faena de elevado quilate, extraordinária, o francês Sebastian Castella, acompanhado na corrida de 3ª feira pelo novilheiro moitense Joaquim Ribeiro “Cuqui”. A registar ainda uma novilhada com 3 novilheiros na quarta-feira.
Das reses lidadas e pertencentes a uma dúzia de ganadarias, destacou-se o toiro de Murteira Grave pela sua bravura, seriedade e classe, e o curro de Veiga Teixeira pela imponência, seriedade e respeito que impôs na corrida de 5ª feira.
A SERIEDADE DO TOIRO
Nesta Feira da Moita imperou a seriedade do toiro com curros bem rematados, toiros com peso, com idade e com trapio, e diversidade nas ganadarias escolhidas, duras e a exigirem toureiros para as lidarem, como se impõe.
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De todos os toiros lidados (18 toiros e 7 novilhos), o destaque vai para o toiro nº 135, de 515 kg e da ganadaria Murteira Grave, lidado por João Ribeiro Telles em 5º lugar na corrida de sexta-feira, dia 15, e que, pela sua presença, pela seriedade das investidas e bravura demonstradas ao longo da lide e até na pega e na forma como investiu para o forcado, foi o justo vencedor do prémio “Bravura” em disputa nessa corrida de toiros. Também nessa noite o toiro de Ascensão Vaz foi premiado pela sua “Apresentação”, devido à sua bonita pelagem e ostensiva cornamenta, sendo que teve uma qualidade d investidas acima da média.
Em termos de apresentação, irrepreensível a corrida de Veiga Teixeira lidada no dia 14. Seis imponentes estampas de toiro de lide, com um peso médio de 599 kg, impuseram respeito e pediram toureiros. Bom foi também o lote de Paulo Caetano que tocou a Sebastian Castella e cumpridores os do lote de “Cuqui”.
Lidaram-se, ainda, toiros de Palha, Oliveira Irmãos, Fernandes de Castro, António Silva e Prudêncio e novilhos de Pinto Barreiro, Paulo Caetano, Falé Filipe, e Mata-o-Demo.
O TOUREIO A PÉ
O toureio a pé na Moita teve em Sebastian Castella o seu melhor executor e promotor. Toureou com arte e temple, para além desse selo muito próprio, dessa identidade e personalidade única na forma de interpretar o toureio. Castella presenteou-nos com toureio de enorme qualidade mas o público tardou em responder. Olé Castella!!!
Joaquim Ribeiro “CUqui” foi o seu alternante. Sem corridas, só com uma enorme
afición e um querer desmedido poderiam suplantar as dificuldades. E “Cuqui” mostrou o seu valor, a sua arte, a sua vontade de triunfar.
No capítulo dos novilheiros, e com boas actuações, estiveram Paula Santos, João D’Alva e Luís Silva.
TOUREIO A CAVALO: ANTÓNIO TELLES, LUÍS ROUXINOL E JOÃO MOURA JR
Tourear alguns toiros impõe ultrapassar uma determinada barreira, física e mental, capaz de marcar a diferença. Implica superar mentalmente aquele espaço que é do toiro e onde o cavalo tem de ter arte e engenho para o ultrapassar sem sofrer toques desnecessários. Implica lidar na total acepção da palavra. E esse feito esteve a cargo de António Telles na corrida dos “Teixeiras”, de Luís Rouxinol frente ao toiro de Palha e de João Moura Jr no toiro de Prudêncio da última corrida.
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Três estilos, três concepções de toureio, três lides em que os toureiros sobressaíram e se impuseram aos toiros como, aliás, se espera, porque o domínio tem de ser do homem sobre a montada e sobre o toiro.
Rui Fernandes cumpriu no seu segundo toiro; Filipe Gonçalves mostrou a sua garra; João Telles teve momentos do bom toureio frente ao de “Grave”; Francisco Palha podia ter voado alto frente ao de Asecnsão Vaz. E Luís Rouxinol Jr mostrou que é já um valor seguro entre os mais novos.
Nos praticantes cumpriram a papeleta Francisco Correia Lopes e Manuel Oliveira.
FORCADOS COM SORTES DIFERENTES
Foram 4 os Grupos de Forcados que pisaram a arena da “Daniel do Nascimento” para pegarem os toiros e novilhos: Amadores da Moita, Aposento da Moita, Évora e Alcochete.
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Boa prestação tiveram os Amadores da Moita no primeiro dia, assim como os Amadores de Évora e de Alcochete na corrida de encerramento da Feira, com dois exemplos que queremos destacar: nos momentos mais complicados, foram os cabos a ir para a cara dos toiros, aumentando a confiança e coesão dos seus comandados. Nuno Santana após a lesão de Fernando Quintella e João Pedro Oliveira que encerrou a prestação do seu Grupo frente ao toiro de Grave.
Noite complicada, muito por falta de ajudas atempadas, de coesão e de uma verdadeira voz de comando, tiveram os Amadores do Aposento da Moita na corrida de 5ª feira. Contámos mais de 25 tentativas para pegar os toiros que saíram com pata, duros nas reuniões, que empurraram com força, que bateram forte, e exigiram unidade e coesão nas ajudas – o que não aconteceu – e rapidez nas decisões. Não fizeram nos forcados nada que não tivessem feito durante a lide. E é extremamente importante saber ler essas reacções dos toiros ao longo da lide.
Não estiveram felizes os rapazes da jaqueta do Aposento da Moita numa corrida que lhes deve servir para uma profunda reflexão. Nada mais que isso porque valor já o demonstram muitas vezes.
Aqui fica lista dos forcados que pegaram nesta feira da Moita.
Pelos Amadores da Moita: Fábio Silva (1ª) e Luis Lourenço (2ª).
Pelos Amadores do Aposento da Moita na novilhada: António Ramalho e João Gomes ambos à 1ª. E na corrida de 5ª feira: José Henriques (à 4ª); João Vasco Ventura à 3`; Salvador Pinto Coelho fez 4 tentativas e foi dobrado por Martim Afonso (1ª); João Gomes (2ª), Ruben Serafim (4ª), José Maria Bettencourt (5ª) e Miguel Fernandes dobrado depois de 2 tentativas por Luís Fera (1ª).
Os Amadores de Évora tiveram na cara dos toiros; João Madeira (1ª), Miguel Direito (1º) e João Pedro Oliveira (3ª).
Por Alcochete foram à cara dos toiros: Pedro Gil (1ª), Fernando Quintela dobrado após 2 tentativas por Nuno Santana (1ª) e João Machacaz (1ª).
E assim terminou mais uma Feira Taurina da Moita onde as tauromaquias populares, de rua, voltaram a ter uma esmagadora maioria de público, com especial destaque para a tarde do fogareiro.
Toiros na Rua ou na Praça? Corridas de toiros em dia de trabalho e com horário nocturno ou à tarde e nos fins de semana das festas? Decide quem puder (e quiser)!!!
Texto e fotos: António Lúcio