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BARREIRA DE SOMBRA

Desde 13.06.1987 ao serviço da Festa Brava

BARREIRA DE SOMBRA

Desde 13.06.1987 ao serviço da Festa Brava

LITERATURA TAURINA - “DO RESPEITO PELOS QUE ESCREVEM"

14.07.11 | António Lúcio / Barreira de Sombra

«La frecuente amistad de los toreros con los escritores, y los artistas, tiene una sencilla explicación: saben que ellos, los creadores de otro arte, son los unicos que pueden comprenderles, de manera casi completa, en la Plaza y fuera de los ruedos.»
                                                                                  Julio Estefania

«Las tauromaquias fundamentales son consecuencia del trato de grandes maestros del toreo con escritores competentes.»
                                                                                  Gregório Corrochano

A foma dispar, para não dizer antagónica, como se orientam as relações entre os que escrevem e os que toureiam, em Portugal e em Espanha, representa, claramente, a distinção existente entre a tourada à portuguesa e a corrida a sério.
            Em Espanha existe – por parte dos que toureiam – talvez porque toureiam e não fingem tourear – o maior respeito pelos que escrevem.
E se alguma dúvida existisse no espírito de quem sente a Festa, como ela deve ser compreendida, bastariam as afirmações categóricas daqueles dois escritores que invoco.
Julio Estefania explica essa atitude de mútua compreensão pelo sentido artístico que inspira todos os criadores de uma obra de espírito – já que tourear a sério é produto da inteligência e não do músculo.
Este fica para as pegas!...
Por sua evz, Gregório Corrochano inicia com as palavras transcritas o seu estupendo tratado intitulado «Que és torear», e tem como subtítulo incisivo «Introducción a la Tauromaquia de Joselito».
Quer isto dizer que, em Espanha, se reconhece o papel decisivo dos que escrevem para que se possa saber hoje o que foram as interpretações da Arte dos Touros devidas aos grandes matadores, já que o toureio, pela simples razão de ser fugaz – os melhores lances mal duram uns instantes – só pode recordar-se á face do que dele opinam os escritores competentes, de que fala Corrochano.
Que teria ficado dos grandes artistas se não fosse a descrição das suas faenas?
O próprio maior de todos, o insigne D.José Maria de Cossío, confessa, no prefácio que escreveu para um dos livros de Enrique Vila, ao ser-lhe notado por este que a parte crítica da sua enciclopédia «Los Toros» estava inspirada na Arte de Gallito, com a mior nobreza.
«Eso es exacto e inevitable y quien no estuviera de acuerdo con lo que alli se decia tenia perfecto derecho a escribir otro libro, en el que la critica se enfocara desde otro plano.»
É de tal profundidade a compenetração que se verifica, em Espanha, entre escritores e artistas do toureio, que um Cossío pode, orgulhosamente, afirmar que a sua concepção da Arte dos Touros teve um modelo – Joselito El Gallo.
E, em Portugal?
Em Portugal recuso-me a esmiuçar o que se passa.
Tomo por norma a frase do grande romancista inglês Julien Green.
«Há sempre uma frase feita, pronta a cair do bico da pena, e que precisamos evitar a todo o custo.
Recear que a tinta se entorne «sózinha»!!!»
Por isso, e por agora, fico-me por aqui!...”

Saraiva Lima, in, Temas de toiros, páginas 123 e 124

LITERATURA TAURINA -“TEMAS DE TOIROS”, POR SARAIVA LIMA - «A CRÍTICA IDEAL»

14.07.11 | António Lúcio / Barreira de Sombra

Editado pela Empresa Nacional de Publicidade, curiosamente sem data, o livro “Temas de Toiros”, da autoria de Saraiva Lima, apresenta-nos um brilhante conjunto de textos literários cuja temática de base é a Festa Brava em todas as suas vertentes, com alguns deles em castelhano e em francês. Uma preciosidade que encontrei numa feira de antiguidades e do livro antigo no Convento do Beato e onde dois dos textos têm a  ver com o papel do crítico e da crítica e ainda do respeito pelos que escrevem.

“A Crítica Ideal
«Autêntico apologista de todas as Artes, Saraiva Lima vê na da lide de reses bravas a quinta essência de todas as outras e utiliza Montes ou Guerrita, Oliveira Martins ou Eça de Queiróz, Gautier ou Baudelaire, para extrair da sabedoria de cada um leis e fórmulas eternas de Arte, aptas para compreender, defender e propagar a Arte dos toiros.»
                                                                                                          Edmundo Acebal

Ao apresentar-me com aquelas carinhosas palavras, à assistência, na tarde da minha conferência, no Ateneu de Madrid, Edmundo Acebal traçou, sem o saber, a concepção que eu tenho do que deve ser a crítica ideal.
O espectáculo taurino é, acima de tudo quanto possa ter de acessório, em valentia e em conhecimentos,  uma demonstração, que ressuma arte por todos os seus poros, arte que se revela sob as formas díspares de todas as facetas que ela pode assumir – escultura, pintura, bailado este entendido em yermos hábeis.
E, dentro do somatório de todas essas artes, tem uma característica fundamental, que sobreleva a todas – a do risco sério e indiscutível que o toureio –quando praticado a sério – pressupõe.
Por outro lado, ao passo que o escultor ou o pintor, tem a vantagem inaudita de poder perpetuar a sua obra, o toureiro faz arte fugaz, porque os melhores lances têm a duração de escassos instantes, numa visão que nos surpreende e subjuga, mas que se evola, sem que a possamos reter, a não ser na retina, já acostumada a colher o momento sublime, em que a arte resplandece inopinadamente.
Por isso, a crítica ideal tem de saber receber, em toda a sua plenitude, o fogacho sublime, a aparição mais saborosa, o minuto decisivo, de um lance ou de um passe.
E, depois, da capacidade receptiva, o poder de transmitir o que se viu, o que nos fez vibrar, com palavras e por imagens, à altura da obra produzida, vestindo as impressões que o toureiro soube inspirar, das mais lindas roupagens.
Se assim não fora, como poderiamos recordar tudo quanto de grande tem havido na Festa?
Assim, como as faenas não são todas iguais, também as críticas o não podem ser, para estarem ao nível do que se passou no redondel.
O verdadeiro crítico ideal de toiros jamais deve repetir – antes deve preocupar-se em encontrar, nos seus dotes de espírito, aquela fórmula que melhor traduza a obra de arte, que o toureio soube construir.
E se, após, ou como consequência, a crítica contiver ensinamentos a alicerçar, uma lição a tirar, a procurar incutir princípios, a definir situações, ou a exemplificar os porquês das coisas, a sua razão de ser – então essa crítica pode orgulhar-se de atingir o ideal perfeito.
Ensinar com arte, divulgar com beleza, tal qual se toureia com iguais predicados – eis o fito que deve procurar a crítica.
E não se diga que é impossível encontrar quem disponha de todas essas qualidades.
Assim, como os grandes toureiros não se encontram aos cardumes – também os verdadeirosn críticos não pululam nem proliferam ao acaso, mas existem.
Repare-se nas estupendas críticas de um K_Hito, por exemplo, em Espanha!
E atente-se – se não quisermos ir mais longe – nas crónicas de «El Terrible Perez» cheias de sabor sevilhano.
E tantos outros, tão grandes a escrever, como os grandes artistas a tourear.
Uns e outros completam-se.
Há apenas que parafrasear o nosso épico:
            «Numa mão sempre a espada, e noutra a pena.»
Assim, quando uma e outra se igualam, a Festa dos Toiros brilha em todo o seu fulgor.»

Saraiva Lima, in Temas de toiros, páginas 119 e 120